A beleza do futebol de formação é a de ver miúdos a correr como se não houvesse amanhã diante de vento forte e uma chuvada descomunal. Se calhar preferiam jogar em condições que lhes fossem mais favoráveis — quem não —, mas o espírito continua lá perante todas as adversidades. E, perante um tempo incerto e idem aspas em relação ao futuro, lá vão jogando e, espero eu, com a noção de que são privilegiados por serem dos únicos do país que, neste momento, vão podendo entrar em campo.

É nesta linha de pensamento que, apesar de não ter sido sempre bem jogado, também fruto das condições climatéricas que dificultam sempre a tarefa dos protagonistas, acabou por ser um belo espetáculo de futebol no Complexo Desportivo Pedro Pauleta: os juvenis locais acabaram por se superiorizar ao Operário (4-0) no que ao resultado e exibição dizem respeito. E, por norma, neste escalão, quando se fala em superioridade, já não se fala apenas em conceitos básicos de jogo. Já não é a idade do pontapé para a frente e nota-se, em grande parte dos casos, uma maturidade que também se vai ganhando com a própria idade dos jogadores.

E, se aqui falo em maturidade, e apesar de haver bons exemplos em ambos os lados, há que ser destacada uma individualidade na formação da Fundação Pauleta. Ora, a Mariana Frazão tem 16 anos e joga no mesmo clube desde que era petiz. Não a conheço e não sei quanto futebol vê/analisa nos tempos livres, fora dos treinos, ou sequer se vê futebol. Esta última opção ainda acabava por tornar o seu entendimento de jogo mais notável. Se já é um grande triunfo ver ambos os géneros representados nos escalões de formação, e numa ilha como São Miguel que vai vivendo um bom período no que às expectativas por talentos femininos diz respeito, é por demais brilhante que haja uma atleta com um entendimento tão grande do jogo.

Lá está, num escalão no qual já não impera o ‘chutão’ e o jogo sem critério, deu, no meio-campo, o mote para um equilíbrio exemplar em ambos os momentos. Não tinha pressa em desmarcar um colega no timing errado nem de ir à queima e descompensar (e, curiosamente, quando foi, ganhava a dividida). Numa faixa etária onde a tendência raramente ainda é a de temporizar até surgir uma oportunidade ou linha de passe para uma tomada de decisão correta, o caso foi oposto. Se a temporada continuar a decorrer dentro dos conformes muitos mais talentosos terei a oportunidade de evidenciar no futebol e no futsal. Porém, e em boa verdade, este foi dos que, até agora, mais me ficou na retina. Não perdeu na qualidade, no choque ou no entendimento do jogo à sua volta.

Talvez esta não seja uma crónica de jogo convencional em que enumere, um a um, as oportunidades de golo e remates perigosos a cada baliza. Melhor assim. Caso contrário não teria a oportunidade de enaltecer o que/quem acho que o mereça, até porque quando falamos em futebol de formação, falamos na evolução de atletas na forma como jogam e entendem o que os rodeia, e não apenas numa questão meramente resultadista.

Mas vá, no que ao jogo em si diz respeito, e às incidências do mesmo, a partida começou equilibrada com piques de ímpeto para cada um dos lados. Os maiores crescendos acabaram por ser mesmo por surgir para os da casa que, vestidos de dourado e negro, foram superiores e mais incisivos nas alturas decisivas. Com momentos de categoria, especialmente na 2ª parte, altura em que o resultado já lhes era favorável e o conforto e confiança para puxar dos galões já era outra, e entre tabelas, gestos técnicos ou outros momentos de relevo, a vitória da ACF Pauleta foi incontestável. Se a margem do resultado é demasiado avultada ou não, essa já é um tópico mais relativo e aberto a debate, já que a formação do Operário também dispôs, um pouco por todo o jogo, de boas ocasiões para se ter inserido na marcha do marcador.

Por fim, e porque infelizmente não podem ser só coisas coisas bonitas e elogios ragados, uma nota de grande importância. Este lema e noção de que o futebol de formação também é para formar homens, tanto ou mais do que jogadores de futebol, é mais do que um cliché. É a mais pura das verdades. E, sem ninguém referir ninguém em específico — até porque isto serve para relembrar, e jamais para apontar dedos —, há coisas que não são admissíveis, especialmente numa competição entre adolescentes e com os pais dos mesmos nas bancadas, a poucos metros dos seus miúdos. Tudo bem, normalmente fica tudo sanado quando abandonam o campo e deixam lá os ânimos mais quentes. Mas não consigo, por consciência, deixar de assinalar que é inaceitável insultar veementemente um adversário. Muito menos quando lá estão os país. Mais do que ficar mal, vai contra tudo aquilo que o futebol formativo representa.

E, ainda na mesma linha de pensamento, referir que fica igualmente mal injuriar um próprio colega de equipa depois de este fazer aquele que é, presumivelmente, o seu melhor. Pior ainda quando este foi uma incidência recorrente durante o jogo e quando, do outro lado, não era propriamente dado o exemplo em prol do coletivo. Falar alto é fácil, mas é preciso liderar pelo exemplo, no futebol e na vida. São miúdos, hão-de aprender com o tempo, mas talvez fique mais fácil com alguém a alertar para isso. Os adultos não são perfeitos, óbvio que os miúdos, na flor da idade, também não o vão ser. Mas há ocasiões nas quais o filtro devia ser ligado e deixar os pés fazer o trabalho. Este foi um desses casos e, no qual, ninguém ganhou nada com isso. Bola para a frente e desejo incansável de vencer, sempre, mas com limites e contenção no que ou como se dizem as coisas.

FICHA DE JOGO

ACF PAULETA: Rodrigo Espínola (GR), João Rodrigues, Mariana Frazão, André Cunha, Marcos Pacheco, Fred Almeida, Axel Botelho, António Botelho, Frederico Silva, Humberto Domingues e Gustavo Rosa.

SUPLENTES UTILIZADOS: Júlia Freitas, João Figueiredo, João Pacheco, Ricardo Caravana, Gonçalo Correia e Wilson Sobreda.

C OPERÁRIO DESPORTIVO: Tiago Oliveira (GR), Rodrigo Pereira, Simão Furtado, Leonardo Arruda, Paulo Soares, Francisco Pereira, Pedro Cabral, Diogo Raposo, Tiago Raposo, José Carreiro e João Inácio.

SUPLENTE UTILIZADO: Sandro Câmara.

GOLOS: André Cunha (17’ e 27’), Axel Botelho (50’) e Wilson Sobreda (76’).

- Luís Barreira
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